sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Thirst — Este é o Meu Sangue..., por Carlos Antunes


Título original: Bakjwi
Realização:
Chan-wook Park
Argumento: Chan-wook Park e Seo-Gyeong Jeong
Elenco: Kang-ho Song, Ok-bin Kim, Hae-sook Kim e Ha-kyun Shin
Editora:
Prisvideo

Se o mito do vampiro sugere uma cedência violenta ao desejo carnal, nada será mais sugestivo do que submeter um padre a essa condição.
O desejo de sangue é a expressão primeira de um desejo sexual que se lhe segue, obrigando o homem que mais insistentemente renunciou aos seus desejos a deixar-se levar por eles.


Instalar o fantástico numa história que poderia ser um simples drama amoroso realista é a forma de intensificar o impacto das noções e dos sacrifícios inerentes tanto à condição de padre como de vampiro.
A transformação em vampiro e o poder que esta traz não eliminam por completo a educação do padre.
O que melhor expressa este ser é a luta entre a consciência humana e o instinto animal, com este último a vencer mas a ser condicionado pela primeira, até que esta obriga ao sacrifício final, como demonstração da força do condicionamento social.


Há, também, uma perturbada história de amor onde a subjugação e o desrespeito são efeitos de um poder equiparado, de uma emancipação de uma mulher tolhida durante anos a fio e de um homem ingénuo perante a sua sexualidade.
Os temas são, novamente, sociais, mas o Fantástico que neles está inserido dá-lhes uma intensidade demonstrativa enorme que só se revela depois de nos distanciarmos dessa componente.


Só que o filme tem debilidades. A menor delas será o facto de se alongar um pouco demais, em parte porque não visita apenas o mito do vampiro.
A maior é a estilização extemporânea que ocorre a meio do filme, com uma justificação introduzida de forma artificial.
A estilização não é o forte de Chan-wook Park, que sempre teve o seu trabalho mais interessante sedeado num realismo seco e brutal.
Essa falha afecta a visão que se faz do filme, torna-o um pouco menos capaz de se deixar impresso no público.




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Sem extras


3 comentários:

  1. Foi, para mim, um dos melhores filmes que estreou em Portugal durante 2010. Assim, não concordo com a crítica à estilização do filme e, por consequência, da carreira de Chan-wook Park.

    Julgo que o sul-coreano sempre primou pelo formalismo quase artificial de muitas sequências nas suas obras, e o facto de invocar o mito do vampiro para analisar uma crise de fé e desejos reprimidos chega a ser, simultaneamente, um autêntico golpe de génio e opção narrativa lógica.

    Além disso, não poderíamos estar perante vampiros e não assistir às capacidades sobre-humanas que lhes são inerentes. O filme mostra-as a partir do meio do filme, de forma aterradora, sensual e até cómica, e essa mistura faz de THIRST um dos "contos vampirescos" mais originais dos últimos anos.

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  2. Sam, obrigado pela visita.
    Há algum tempo atrás lembro-me de ter visto a tua opinião ao filme, embora não me lembre dela na sua plenitude.
    Se não me engano tratavas a violência de Park como surrealista, enquanto eu a acho realista, precisamente por estar livre de artifícios de moral.
    Quando ele salpicou esse realismo com composições virtuais elas pareciam estar dissonantes no seio do filme.
    Neste caso, por exemplo, a brancura pode ter tido o seu interesse visual - não achei, mas é sempre uma questão de gosto - mas foi introduzida um pouco sem propósito.
    Essa estilização, já a tinha sentido em Oldboy a perturbar o meu engajamento por parte do filme. (Embora nesse caso o problema maior tenha sido o facto de o filme me ter feito aperceber da sua revelação final mal ele se reencontra com a rapariga.)
    Não vi toda a filmografia de Park, mas é sempre do seu realismo que me lembro melhor.
    O seu trabalho mais exagerado em "Três Extremos" é do menos interessante, por exemplo.

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  3. Olá Carlos,

    Não chamei surrealista à violência, mas sim ao filme no seu todo, embora essa não seja uma característica dominante. E no meu comentário, centrei-me na questão da estilização formal das obras de Park, algo que considero existir sempre com maior ou menor grau de presença. Este THIRST, juntamente com I'M CYBORG BUT THAT'S OK, são os filmes em que o cineasta se "afasta" mais do mundano, e os da trilogia Vingança são, sem dúvida, de um realismo tremendo mas que conseguem dar uma "piscadela" ao onírico.

    Pessoalmente, delicio-me quando existe a mistura de elementos reais e fantasiosos, desde que bem integrados numa narrativa. Por isso, gosto tanto de Chan-wook Park! :)

    E concordo contigo relativamente ao TRÊS EXTREMOS. Concordo tanto ao ponto de, muitas vezes, esquecer-me de que Park participou no projecto...

    Abraço!

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