segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Pequenas Mentiras Entre Amigos, por Carlos Antunes


Título original: Les petits mouchoirs
Realização: Guillaume Canet
Argumento: Guillaume Canet

Ainda é possível a admiração por alguns programadores de cinema em Lisboa quando, dentro de um centro comercial, ainda têm a ousadia de manter um filme em sala durante oito semanas.
Um filme francês com uma sala só para si ao fim deste tempo todo é um fenómeno raro mas não inexplicável.
É um filme cuja atracção cresce pelo boca a boca que vem revelando sempre grande satisfação à saída da sala. Um filme de público - como ocasionalmente temos oportunidade e obrigação de sublinhar que a França ainda faz regularmente - com a sugestão da revivência de felizes memórias de grupo.
Bastará dizer que o filme é uma variação sobre a forma de Os Amigos de Alex para contextualizar rapidamente o que se passa em cena, desta vez com uma geração francesa entre os 30 e os 40 anos.
São figuras a entrarem na crise de meia idade sem terem ainda superado a adolescência, um grupo por isso susceptível aos pequenos dramas e aos grandes erros como só o embalo psicanalítico moderno vai criando.
As suas preocupações são múltiplas mas a sua origem pode ser traçada ao egoísmo de cada um daqueles elemento. Os seus distúrbios tê, quase sempre, uma razão amorosa para a qual a sua idade exige uma atitude mais ponderada mas a sua mentalidade mantém irresolvida.
Os temas que o filme trata melhor de entre o conjunto de preocupações são aqueles que mal toca, falando deles através da atenção aos pormenores - das interacções, das solidões e das acções. Outros, talvez até mais sensíveis ou importantes, são tratados de forma pesada, assumindo um papel central mas não conseguindo promover o interesse do público.
A interrogação sexual da camaradagem tornada num amor que a sociedade não sabe exprimir senão através de preconceitos é um desses casos tratados sem sensibilidade; enquanto em sentido oposto o cansaço de uma mulher pelo seu papel da jovem sedutora incorrigível é quase uma miragem narrativa mas executado com uma exactidão maravilhosa.
Não será estranho que esse papel de mulher amadurecida resulte por estar entregue a Marion Cotillard, mas seria injusto não elogiar a totalidade do elenco que faz sobressair o humor que sustenta a espera pelos momentos catárticos que acabarão por chegar depois de duas semanas de coabitação - nada mais stressante para testar laços de amizade.
Mesmo sendo longo demais, sem desfecho inovador que redima a meia hora a mais que tem, o filme é um agradável encontro capaz de recriar a identificação com aquelas vidas bem mais do que Funeral à Chuva, a recente (e novelizada) versão portuguesa do mesmo esforço, conseguiu.
A entristecida nota final vai para a música. Sendo Os Amigos de Alex o mais lembrado filme destas reuniões de amigos, Les petits mouchoirs escusava de intensificar a memória comparativa ao filme de Kasdan através da sua banda sonora completamente americana, sem sequer um toque francês que sublinhe as quatro décadas que este grupo já vivera. A música é boa; não é particularmente apropriada.



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