quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

"The Revenant": Selvajaria emocionante e desgastante

Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) foi amplamente elogiado, impressionou críticos e espectadores um pouco por todo lado. O mundo inteiro queria saber que faria Alejandro González Iñárritu após tão singular objecto. A sua escolha recaiu na adaptação para o grande ecrã de um western biográfico sobre Hugh Glass. Filmado num meio selvagem durante o inverno rígido canadiano, o filme não se poderia afastar mais da realidade claustrofóbica da obra anterior do cineasta.

O revenant ou renascido do título, segundo se diz, é um fantasma visível ou um cadáver animado que se acredita ter regressado do túmulo para aterrorizar os vivos. Este significado popular encapsula na perfeição a temática do filme, a ideia de que as más acções por vezes não passam impunes, mesmo que as consequências não se observem de imediato. Afinal, um pássaro volta sempre ao mesmo ninho.

O filme pouco ou nada tem a acrescentar, quer em termos narrativos quer históricos, mas é impensável não se acreditar que esse seja exactamente o objectivo do realizador. Durante a acção paira sobre nós uma sensação de vazio, de falta de um sentido para a vida, para toda a violência que visualizamos no ecrã e para tudo o resto que acontece. No entanto, sobreviver a todo esse desespero e desapego é sem dúvida a razão de tudo. Vagamente adaptado a partir do romance de Michael Punke, o argumento de Alejandro González Iñárritu e Mark L. Smith projecta um filme mais experimental do que instigante, mais envolvente do que íntimo.

O maior problema do filme não é a sequência inabalável que mostra o protagonista a ser atacado por uma ursa, por entre gritos agonizantes, estalar de ossos e todo e qualquer detalhe desagradável que uma cena do género implica. O problema é a duração e a simplicidade do filme. Após uma obra subestimada, um conto verdadeiramente fascinante face ao potencial de lutar por um lugar próprio e digno, o realizador dá uma volta de 180.º, onde o ambiente é amplo e as motivações das personagens mais claras.

Depois de vermos o realizador a enfrentar abismais ideias na sua obra anterior, quando comparamos com a deste ano esta fica aquém das expectativas. Após termos conseguido superar o choque das sequências extremamente brutais no início do filme, o restante peso do mesmo e da narrativa recais sobre os ombros do seu actor protagonista, Leonardo DiCaprio que surge como que a lutar contra a superficialidade do seu personagem. A sua interpretação é a mais física de sempre, conseguindo um trabalho incrível, não nos parecendo brejeiro ou inacreditável. No entanto, o seu personagem apenas pode ser visto como alguém que procura vingança.

No seu amor declarado pelo enigmático e realista, que de tão realista se torna falso realismo, o realizador encosta-se completamente e de forma exaustiva ao trabalho do protagonista. Em qualquer imagem do filme o charme pueril de Leonardo DiCaprio está longe de ser encontrado, mascarado por uma pele envelhecida devido a uma vida dura e a todos os elementos que a rodeiam. O actor entrega-se completamente à sua personagem e nós ao final de alguns minutos rendemo-nos completamente a ele.


Embora seja ele a peça central da narrativa, Tom Hardy é o herói não reconhecido. Fitzgerald, o seu personagem, pode ser um autêntico covarde, um racista, um criminoso em fuga, mas o actor consegue fazer desses traços algo humano, mesmo que muitas vezes chegue a ser desconfortável. O seu bandido vicioso só se preocupa com a sua própria sobrevivência, fornecendo o ligeiramente desagradável humor negro que o filme possui. É ainda de ressalvar o trabalho de Domhnall Gleeson como o capitão da armadilhada expedição e Will Poulter como o jovem inocente que tenta não se perder por entre os literais e metafóricos vícios da vida.

As cenas com a ursa, que provavelmente serão aquelas que mais publicidade obtiveram, mesmo quando comparada com o próprio filme, são momentos cinemáticos angustiantes, independentemente do nosso conhecimento prévio relativo às cenas em questão. É graças exclusivamente ao trabalho de Leonardo DiCaprio, que nos leva a ficar momentaneamente sem fôlego e alarmados pela implacabilidade do momento.

O conceito de respiração aparece repetidas vezes durante o filme. Mesmo antes de tudo começar, da primeira imagem surgir no ecrã, podemos ouvir alguém a respirar de forma profunda enquanto dorme. Mais à frente a câmara é colocada tão em cima dos actores que a sua respiração embacia a lente. Engenhos como este não deveriam ser surpresa para ninguém quando pensamos que o responsável por eles é o director de fotografia Emmanuel Lubezki.

Célebre pelo seu trabalho em Gravity e Birdman, aqui consegue um trabalho não menos impressionante. As maravilhosas fotografias de paisagens sob a rigidez do inverno encapsulam a beleza da natureza e funcionam enquanto lembrete constante de que mesmo por entre toda a selvajaria dos que nos rodeiam, a nossa vida é algo pela qual vale a pena lutar. A envolvente cena da batalha entre os índios e o grupo de Hugh Glass é assustadoramente real e implacável. Meticulosamente coreografada, a cena repleta de mortes move-se a um ritmo frenético, com muito poucos cortes. A inclinação da câmara em direcção ao céu após o assentar da poeira informa-nos que alguém nos observa lá de cima.


A banda sonora composta por Ryuichi Sakamoto roça o perfeito ainda que seja deveras minimalista. Com maravilhosos efeitos visuais faz sentido manter a música a um nível de ambiente. O compositor contidamente mistura instrumentos sinfónicos com influências electrónicas de forma a criar momentos sobre o lado calmo da vida, de reflexão e meditação. The Renevant consegue deixar-nos boquiabertos visualmente e emocionalmente pelas melhores razões possíveis. Belo, polido e primorosamente construído consegue ser ao mesmo tempo cru, imperfeito e visceral. Trata-se de um teste de resistência pelo qual vale a pena terminarmos desgastados.

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